15 de jan. de 2017

A cidade da Solidão e as Tecnologias



TExto de Clarice Rodrigues
A cidade da Solidão e as Tecnologias
Adeline acorda tarde e se atrasa para o ônibus do trabalho. São nove horas da manhã do dia 20 de outubro de 2014 na cidade de Bornne (uma megalópole que cresce descontrolada e imperfeita) onde se observam muitos edifícios e poucas árvores, coisas simples e antagônicas... Os contrastes são realçados ao longo do tempo na arquitetura urbana: casas em estilo rústico em meio a uma imensidão de prédios modernos, assimétricos e sem nenhum estilo. Uma viela nitidamente torta se destaca paralela a uma avenida larga e retilínea. Ao lado de uma zona rica e gourmet sobressai uma grande paisagem mista de cortiços e becos.
Meses depois, ela apaga essas imagens de sua mente e já se acostumara com o lugar. É maio e seus sapatos de couro sintético, apertados, ainda correm tentando decifrar sinais e informações do espaço. No caminho, percebe que as pessoas de seu cotidiano não estão habituadas às trocas de olhares e saudações:
as cabeças abaixadas têm seus olhos fixos aos telefones móveis. Há um completo silêncio, mesmo nos horários mais movimentados. A pressa exacerbada, a sujeira visual, os rios poluídos e os odores desagradáveis das indústrias fazem Adeline pensar que isso tudo não incomodam mais... Teclam em demasia e são pouco sensíveis.
A cada ano que passa, ela se incomoda cada vez mais com esse formigueiro humano, a famosa “Sociedade Líquida” de Bauman. Nota os comportamentos sociais e prefere descrevê-los em um caderno ilustrado, não se importando muito com rascunhos.
Sente-se sozinha em um mundo onde estar conectado com milhões de pessoas distantes e se esquecer das mais próximas é algo aceitável. Acredita que os seres humanos da atualidade pretendem ser autossuficientes, donos de seus próprios apartamentos pequenos e, em sua maioria, com mobílias inóspitas de cores neutras. Adeline, por mais que tenha somente um bonsai não seria capaz de morar em uma dessas “caixas de sapato”. Não compartilha da ideia de corredores apertados, portas fechadas a fim de compactar e isolar angústias ou egoísmos.
Um dia, anotou em seu caderno que todos os seres vivos do universo constroem suas vidas sem saber ao certo como irão sobreviver ao tempo. Assim são com as caixas de mensagem que registram o imprevisível. A área de trabalho dos computadores e a memória dos celulares se entopem de arquivos que ilusoriamente têm a finalidade de proporcionar ao homem um espaço que gostaria de ocupar, uma falsa ideia de poder e de liberdade, irregularidades processuais e éticas refletem as vidas sociais.
De três em três meses, Adeline consegue ligar para a família. Seu salário é baixo, o custo de vida é alto e suas contas são variadas. Faz sempre um telefonema para seu pai, Purshat (afinal, quem quer saber se o próximo realmente está se sentindo bem não usa uma mensagem de texto.).
Desajeitada, volta à sua rotina e continua a observar a cultura de autoafirmação proporcionada pela tecnologia: a necessidade de ser feliz a todo instante mesmo que isso não seja verdade. Selfies e post’s combinam o real e o virtual através de olhos tristes e sorrisos forçados. Ela não se entrega, procura ser autêntica. Pressente que o mundo necessita de palavras reais que escapem do coração para
fora. De abraços sinceros, gargalhadas verdadeiras e demonstrações de afeto.
Mais do que de máquinas, precisa-se de humanidade. Mais do que de inteligência, precisa-se de afeição e doçura. Adeline presencia a autonomia da escolha, a liberdade do pensar e do sentir. Gosta de pisar em terras molhadas com os pés descalços, de ouvir melodias em volume alto e poder cantá-las, de viver intensamente sem precisar de julgamentos alheios porque soube pelo bom Chaplin que “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios.”.
Mantém-se firme e tem no peito a esperança de dias melhores; a paciência do amor, a supremacia da fé, o reclame da justiça e a insistência da determinação. Aprendeu no dia-a-dia a seguir viagem se orientando pelas estrelas, olhando sempre o melhor lado dos retratos sociais. Prefere viver em seus próprios sonhos e lutas porque acredita que não há ilusão mais gananciosa daquela qual se transformou o homem ao enclausurar-se na era da velocidade e das novas tecnologias.
Adeline é uma flor que nasce no asfalto, com
raízes fortes e profundas que perfuram a piche buscando vida em solos inférteis; proporcionando a luz necessária na imensidão das sombras que nos assola diariamente. Adeline é símbolo de resistência e determinação: são todos os homens trabalhadores de minas que lutam por dignidade. São todas as mulheres que buscam por justiça, livre-arbítrio e sensatez. São todas as crianças recém-nascidas na guerra que lutam pela própria sobrevivência.
Existe, sim, uma Adeline no fundo do coração de cada ser humano.
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