Tia Nicinha deixara um recado na
minha secretária eletrônica: “Que eu comparecesse sem falta no sábado próximo à
sede de Brejolândia, pois que o tio Arlindo precisava muito dos meus préstimos,
para um assunto de relevada importância.”
Tão logo cheguei, a tia me
encaminhou sem mais delongas, para a grande varanda que fica do lado do córrego
das Antas.
Lá me deparei com um grupo de
cavalheiros sérios e circunspectos, que conversavam à meia voz, sugerindo
assunto de maior gravidade.
Alguns deles eram velhos
conhecidos, como o Desembargador Gumercindo, o tio Maurilio, o primo Tadeu, seu
Antonio da venda, professor Astromar Falcome, dentre outros.
Tio Arlindo fez apresentação dos
outros senhores entre eles um tal de professor João Jorge Jaboatão.
Segundo o tio, o sujeito com um
carregado sotaque baiano, era escritor, pensador e filosofo.
O Desembargador Gumercindo com ar
grave pediu a palavra:
- Já que estamos todos aqui reunidos,
podemos começar a nossa reunião. Como os senhores sabem a mãe Terra agoniza.
Vitima indefesa da ação predatória do Homem, o nosso planeta pede socorro. Vou
passar a palavra ao professor Jaboatão que conduzirá esta conferência.
O Professor pigarreou, tomou um
gole de água e começou:
- Senhores, as atenções do mundo
estão divididas hoje entre o Fórum de Davos na Suíça e o Fórum social de Porto
Alegre, onde se discute o destino do Mundo. Por isto este é o momento ideal
para realizarmos o Fórum Mundial de Brejolândia dos Cafundós. Estudos
exaustivos me permitiram localizar o ponto mais energético da terra, onde
qualquer operação de salvação deve efetivamente começar. Caros senhores
Brejolândia é o umbigo do mundo e seu futuro depende deste pequeno e seleto grupo
aqui reunido. Os senhores foram escolhidos a dedo para salvar o mundo.
Sem
querer deixei escapar uma risada. O professor me fulminou com o olhar como se
eu fosse um pernilongo. Pedi desculpas e ele prosseguiu.
-
Estamos fundando aqui, hoje uma sociedade secreta que vai ter a nobre e difícil
missão de salvar o planeta da destruição. Esta aberta a primeira sessão da
Irmandade do Bode.
O primo Tadeu questionou:
- Mas
professor, porque do bode? Não poderia ser outro animal mais nobre?
O professou respondeu impaciente:
- Você
está equivocado meu jovem. O bode é o símbolo da energia potencial passiva. A
imagem da sabedoria da ociosidade, paciência e sapiência. Vejam só o bode Jacó
do seu tio Arlindo.
E apontou para o gramado lateral onde
o velho Jacó se mantinha amarrado à cerca de arame farpado, mascando incansável
seu chiclete de capim gordura.
E o professor continuava:
- Os senhores já ouviram falar na
lei de Murphy. Murphy foi um pensador e filosofo escocês que propôs uma tese
interessante. Segundo ele se alguma coisa tiver que dar errado com certeza
dará. Por exemplo, quando o pão cai no chão quase sempre o lado da manteiga cai
prá baixo. Ou quando você está numa fila a outra fila do seu lado anda mais
depressa. Se você passar para a fila mais rápida a primeira começa a andar mais
depressa. Entenderam?
O tio Maurilio emendou:
- Entendi
professor, por exemplo, se chover louras, vai cair um negão na nossa cabeça.
- Não é bem isto Maurilio, mas você já começou
a entender. Enfim a tese que eu defendo é que toda vez que o homem faz alguma
coisa ele dá uma cagada e o mundo piora. A filosofia da nossa Irmandade vai
fazer a única coisa que neutraliza a lei de Murphy, ou seja, não fazer nada,
dando ao mundo a chance de se recuperar.
O Tadeu não se conformava com o
animal símbolo da Irmandade:
- Mas
professor, o bode é um animal fedorento, com aquela barbicha indefinida e
aqueles chifres virados para trás. Não podemos escolher um animal mais nobre?
- Jovem Tadeu,
o bode carrega o sagrado fedor do saber, aquela barbicha impõe respeito e os
chifres prá trás nos mostram a saída da humanidade; o retrocesso.
Todos acabaram concordando com o
professor para ver se ele liquidava com aquela lengalenga, e no final ele propôs:
- Nicinha... Vamos completar o
nosso ritual de iniciação. Sacrifique o bode Jacó e faça uma buchada caprichada
prá gente.
O tio Arlindo que se mantivera um
bom ouvinte até então, se esquentou de vez com aquela proposta:
- Matar o Jacó... Nunca. Só sobre o
meu cadáver.
Estava formada
a discórdia até que lembrei a eles que, para quem queria salvar o mundo,
estavam dando mal exemplo, e sugeri que se fizesse uma galinhada em lugar da
buchada.
E
a Irmandade passou aquela primeira noite traçando uma galinhada regada à
cachacinha de produção caseira do sitio. Eu já estava gostando daquela ideia de
salvar o mundo.