3 de out. de 2011

Estrela Cadente




                                   Estrela Cadente
              Tão calma era a noite.
Noite calma, noite triste.
Dois olhos verdes passeavam pela extensão da mata, mergulhada em sombras e silêncio.
Uma lua semi-encoberta por nuvens de chumbo permanecia entre o sono e a vigília, companheira desatenta daquele cenário gótico.
Olhos verdes, um rosto pálido, uma sensação de profunda angústia se projetavam da janela aberta do plano alto da Casa Grande.
Uma Casa Grande e solitária, luzes apagadas, cercada pela mata e pelo movimento das sombras semoventes.
Quem sabe, sombras que vinham reclamar uma fatura do passado? 
Do tempo em que a Casa fora palco de um teatro macabro. Ali se torturara e ali se matara no tronco ainda erguido no centro do pátio principal, uma testemunha muda, surda, cega e paralítica daqueles tempos que a Casa tentava exorcizar.
Uma face jovem, com grandes olhos esmeralda e tez pálida, fitava, fixa e perdidamente, o ponto em que o céu e a mata se confundiam.
A calma noite se contrapunha aos pensamentos turbulentos e confusos do jovem observador da janela, que num esforço sobre-humano tentava controlar seus impulsos estranhos, quando vez por outra mirava o piso de cimento logo abaixo da janela.
Foi numa fração de segundos. Mas como o tempo é relativo, parecera ao jovem da janela, um filme em câmara lenta.
Uma estrela cadente riscava o pano negro celeste logo em primeiro plano do privilegiado observador.
Todas as mágoas, todas as revoltas, toda raiva contida e congelada se concentraram como contrapeso do pedido proferido no silêncio na noite como um contrato de risco.
O jovem saiu daquele transe com a grande explosão que se seguiu. A mata, como atacada por bomba incendiária, se iluminava com um grande clarão avermelhado, espantando as sombras da noite.
O jovem saiu do seu torpor, desceu as escadarias do Casarão e mergulhou na mata em direção ao sinistro.
Corria entre a vegetação, ofegante, a respiração lhe faltando, por conta de uma bronquite alérgica de origem genética, que lhe obrigava a usar freqüentemente a bombinha.
A bombinha fora esquecida na corrida, e dispensava atenção também aos arranhões e cortes que lhe apareciam na frágil e clara pele.
Chegando perto do epicentro da explosão viu pedras e galhos em chamas e retorcidos pelo calor intenso.
Objetos metálicos se espalhavam no entorno ao estalido de metal incandescente.
Viu numa clareira próxima um cilindro reluzente e emissor de luz azulada, de um tom como nunca vira antes.
Aproximou-se e estranhou que o objeto permanecia frio em meio à catástrofe a sua volta.
O cilindro tinha um furo em um dos lados, o suficiente para passagem de um braço.
Os olhos verdes brilharam ao reflexo da fogueira com uma expressão demente.
“Será, (pensou) que meu pedido foi atendido?”
— Não pode ser... isto é loucura - falou em voz alta, espantando aqueles pensamentos.
Devagar, vacilante, foi introduzindo seu braço direito no furo do cilindro como que induzido por sinistra intuição.
De repente o cilindro se fechou em torno de seu braço e um urro de dor marcou o inicio de uma estranha metamorfose.
Sentiu que sondas de aço penetravam sua pele e seus músculos, aderiam aos seus nervos e tendões e tomavam seus centros cerebrais.
Uma dor lacerante o levava a tentar, instintivamente, se livrar do cilindro, mas parecia tarefa impossível àquela altura do processo.
O jovem de olhos verdes desmaiou de dor.
Amanhecia quando ele despertou com a memória ainda vivida do incrível sonho. Abriu os olhos e se viu no meio da mata, próximo ao local do incêndio e percebeu que não fora um sonho.
Seu corpo já não sentia dor alguma e ao tentar levantar o braço direito notou um peso diferente e só então percebeu a estranha peça aderida ao seu braço como se fosse sua extensão.
Levantou-se com alguma dificuldade pensando o que seria aquilo e que utilidade teria. Apontou em direção à Casa Grande a estranha peça e viu um ódio acumulado pelo descaso e pelos maus tratos se converter em um grande jato azulado de raio destruidor.
A casa desapareceu num segundo diante de seus olhos espantados e confusos.
Respirou fundo, procurou se acalmar e buscou com a mão esquerda a sua bombinha. Não estava lá, mas percebeu que, pela primeira vez na vida não lhe fazia falta.
Precisava fazer mais um teste. Apontou para a montanha da direita, a mais alta da fazenda e concentrou todo seu rancor pelo mundo e pelas pessoas, nos centros nervosos que comandavam a engenhoca. Pode ver aí todo o fenômeno com total clareza.
Viu o cilindro se abrir em três setores e de dentro daquela abertura um raio de grosso calibre foi disparado em direção à montanha que ruiu como se fora um grande monte de estrume.
                                   
Sorriu sinistramente. Aquele poder começava a alterar seu caráter, abrindo câmaras de memória que até então permaneciam seladas pelas regras sociais e pelas leis jurídicas.
“Poder ilimitado – pensou. – Chegou a hora da vingança”.
Foi até o paiol que permanecera intacto e procurou pela capa preta, e pelo capuz que vira por ali algum dia.
Com uma tira de pano preto improvisou uma máscara e como uma figura de filmes de terror caminhou em direção à estrada que conduzia à cidade.
Uma caminhonete se aproximava e o jovem retirou o capuz e a máscara deixando transparecer um rosto angelical.
A capa preta permanecia escondendo o artefato de destruição.
A caminhonete o deixou em um posto de gasolina próximo a entrada da cidade, onde desceu para comer alguma coisa.
Pediu a balconista um misto-quente e um suco e só então percebeu que não tinha dinheiro.
Avisou à balconista sobre seu problema e, ao alerta dela, foi barrado por um brutamonte na saída do bar.
— Qual é, cara? Acha-se muito esperto? Cadê sua carteira?
O rapaz ainda avisou.
— Sai da frente, seu otário, você não vai querer me ver nervoso.
— Aí gente, a bichinha está nervosa. Você vai é levar uma surra.
O segurança do posto empurrou o jovem para fora do bar contra o piso de asfalto.
Alguns motoristas que estavam por ali começaram a se juntar, caçoando do jovem franzino metido a sabido.
O segurança se aproximava furioso e chutando o jovem ainda no chão num triste espetáculo que era aplaudido por meia dúzia de caminhoneiros, sem nenhuma compaixão.
Quando o segurança se afastou um pouco para contar alguma gracinha para os caminhoneiros, o jovem se levantou e abriu a capa preta.
— Vai fazer strip-tease agora, sua bicha safada? Eu vou te matar agora.
— Cambadas de imbecis, vocês vão se transformar num monte de merda queimada.
O artefato foi levantado em nível de fúria máxima e em meio a um clarão e estrondos medonhos aquele grupo de homens se viu reduzido a um monte de pó calcinado no chão de asfalto.
Ao se afastar do posto ainda com raiva acumulada o jovem, em meio a um sorriso demoníaco, lançou contra o posto um jato de plasma que o transformou numa grande fogueira.
— Agora preciso ir a minha escola, a hora da vingança chegou.
O primeiro a receber o impacto fulminante foi o porteiro da escola.
A última coisa que viu foi uma figura parecida como o zorro chegar até ele e dizer em meio a uma gargalhada.
— Ô seu Antonio, dia de se aposentar.
Um jato de carga moderada lhe fez um rombo de um palmo de diâmetro no abdome. Teve morte instantânea.
Começou uma chacina dentro da escola. Professores, funcionários, alunos, todos que chegavam ao alcance da vista o jovem eram pulverizados imediatamente.
Ao virar um corredor o jovem se esbarrou com uma menina de uns quinze anos de cabelos loiros e encaracolados, olhos claros e vivos.
Ao fitar aqueles olhos entre os furos da mascara a menina disse em voz baixa:
— Flávio, é você?
Flávio tinha, na escola, dois colegas que ele confiava, Carolina e Ernani.
— Venha comigo, Carolina. Sabe onde está o Ernani?
— O que você está fazendo, Flávio? O que aconteceu com você?
Flávio estava transtornado:
— Carolina, preste atenção. Vou me vingar de todos aqueles que zombaram de mim aqui na escola. Só você e o Ernani vão se safar. Venha comigo.
Encontraram o Ernani escondido dentro de um dos banheiros e foram os três para o deposito em cima do restaurante, local onde sempre ficavam durante os recreios, longe dos outros colegas.
Carolina, sem consciência da dimensão exata do problema, estava achando tudo muito engraçado, parecia um daqueles jogos de RPG que eles jogavam durante os fins de semana.
— É o seguinte – explicou Flávio, – vou acabar com todo mundo aqui da escola. Vocês permaneçam aqui no nosso abrigo e vão me passando informações pelo radiocomunicador – um brinquedo que o Ernani sempre carregava.
Durante a noite a chacina prosperou dentro da escola e pela manhã só os três amigos continuavam vivos.
A polícia, avisada pela vizinhança, cercara todo o local e Flávio alertou os companheiros que permanecessem no abrigo, que ele ia agora enfrentá-la.
Ao aparecer na entrada da escola, o comandante do pelotão mandou pelo megafone, que o garoto largasse a arma e se deitasse no chão.
Flávio deu uma gargalhada e disse aos policiais:
— Seus idiotas, não perceberam ainda? Eu sou o agente da destruição. Nosso tempo acabou-se.
Levantou o braço com o artefato em direção ao grupo de militares enquanto um soldado gritava:
— Comandante, ele vai atirar.
— Abram fogo à vontade.
E o tiroteio começou à ordem do comandante, até que um corpo inerte e crivado de balas permanecia estirado na entrada da escola.
Ao cessar fogo os soldados observaram o estranho cilindro com seu brilho intenso, e estupefato o comandante gritou:
— Vai explodir!
Debandada geral e o cilindro se fragmentou em milhares de pedaço expondo uma letal força de destruição.
Uma explosão protônica seletiva se iniciou numa reação em cadeia contra o DNA de uma única espécie, a raça humana.
Do espaço pode-se ver o brilho intenso azulado se expandido rapidamente em todas as direções e cobrindo o globo em minutos.
Uma nave alienígena semi-estacionada na órbita terrestre observava o fenômeno enquanto seus dois tripulantes conversavam.
— A desinfecção do planeta se completou, respeitada a diretriz universal da não ingerência. Apenas catalisamos o ódio e o desejo inconsciente da Humanidade.
— Vamos para o próximo quadrante para mais uma missão.
Na terra toda uma raça estava dizimada. Um desejo ardente de um jovem de olhos verdes e tez pálida, à uma estrela candente em noite escura, fora cumprido.
Um desejo representativo do desejo de bilhões de seres humanos.
Enfim, paz na Terra!!!


João Drummond



                                                     Fim




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