30 de ago. de 2010

Linguagem e Comunicação - A Aventura do Aprendizado


Quando eu estudava em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas, quase sempre viajava à noite.
Uma destas viagens se deu durante o dia, e esta foi especialmente interessante para as reflexões que se seguem.
Logo na saída de Belo Horizonte, entraram no ônibus dois senhores de idade, com a aparência de matutos e um linguajar característico da região rural.
De olhos fechados passei a ouvir sua conversa, que se dava em tom relativamente alto, e a me divertir intimamente com as histórias que eles contavam.
A forma de linguagem sertaneja dava um tempero especial aos causos e se revestia de uma graça que contagiava e atraia a atenção de quem estava perto.
Ao meu lado estava sentado um rapaz de seus trinta e poucos anos, bem trajado, de terno, e que prestava atenção também naquele papo descontraído.
O rapaz começou a expressar impaciência e a fazer trejeitos de deboche e ironia, dirigidos aos dois matutos.
Apresentou-se em alto e bom tom como mestre em literatura, diretor de um jornal de grande circulação da capital e nomeado recentemente vice-presidente de uma Academia de Letras.
Passou à seguir a discorrer sobre literatura, e em especial sobre erros de linguagem e as agressões a língua pátria.
Dizia que na sua Academia se dedicaria a defender de forma intransigente a maneira correta de se falar e escrever. Chamou de ignorantes aqueles que se comunicavam de forma errada e de imbecis, autores renomados de quem discordava em algumas interpretações ortográficas.
Tentei ainda defender a idéia da relatividade da linguagem e de como a comunicação sofre mutações com o tempo, a tal ponto que, palavras que antes seriam consideradas erradas passavam a se impor pelo uso e força de seu significado.
Não adiantou. O rapaz na sua arrogância silenciava outras pessoas a sua volta, como um trator falante, inclusive os dois matutos, que constrangidos silenciaram o papo interessante que nos divertia.
Tentei fingir que cochilava, para ver se o falador erudito chegava logo ao fim de sua conversa afetada e desagradável, mas o dito, vez por outra me cutucava para garantir que estava sendo ouvido, e não me concedia a benção do seu silencio.
Por fim, alegando que estava próximo da minha parada, me levantei e procurei, mais na frente, um lugar vago.
Encontrei-o ao lado de um senhor de idade, vestido sobriamente. Depois de ajudá-lo a fechar a janela, entabulamos uma conversa sobre atualidades e amenidades.
Logo percebi pela conversa que o tal senhor era um profissional aposentado da área de educação. Perguntei se ele era professor e ele disse que já fora, mas que no momento trabalhava em setor administrativo, na direção de uma faculdade.
Lancei a ele a questão que me intrigava no momento.
— Qual é o seu conceito de linguagem e comunicação?
Ele respondeu que o conceito tradicional de linguagem era a forma que temos de fazermos o intercambio de idéias e pensamentos, transmitir e receber informações e evoluirmos em nossos conhecimentos.
Continuou dizendo que na sua experiência de educador, tinha a opinião de que a grande função da linguagem, mais importante que o seu trato com as formas ortográficas e sintáticas, era a possibilidade que oferece de trabalhar nossa humanidade e cidadania.
Muitas vezes, segundo ele, a atitude delegada e policialesca de se impor formas de linguagem, tolhe a prosperidade de talentos e idéias, e a expansão de livres pensamentos.
Uma das mais importantes funções da linguagem é de aproximar as pessoas, que mesmo dispondo de códigos diferentes de comunicação, possam, no entanto expressar sua mais nobre humanidade.
Completou dizendo que há de se buscar a evolução da forma correta de se escrever e se falar, desde que não se perca a essência, a pureza e a naturalidade da cultura.
Foi o que os conquistadores fizeram através dos tempos, impondo de maneira autocrática suas culturas, como detentores que se auto-proclamavam das verdades absolutas e definitivas.
Não poderia, por exemplo, um avô semi-analfabeto passar a seus descendentes sua experiência de vida e seus valores, só porque os ditadores das formas e das cátedras assim o determinam?
Cheguei a Santa Rita determinado a viajar a partir dali só de dia. A viagem era sempre mais produtiva e interessante.






João Drummond

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