8 de ago. de 2010

OBRIGADO, MEU VELHO


Meu pai me disse mansamente    
No momento da partida,
Meu filho... Estou te deixando.
Vou-me embora desta vida.

Parto levando saudades,
E uma certeza no coração.
Nesta vida passageira
Nada acontece em vão.


Ouça bem este velho frágil,
Num conselho derradeiro.
Não me julgues nesta hora.
Livre-se do lamento sorrateiro.


Se não te deixo ouro nem terras,
Sua herança é minha lida.
Uma vida de lutas, sem tréguas,
Trabalhosa, justa e sofrida.


Deixo-te como maior riqueza
Minha profissão de oficio.
Neste caderno tosco,
Amarelado, rasgado, curtido.


Parece pouco é verdade.
Não me recrimines por isto.
Deixo-te ao partir desta vida
O mesmo que meu pai me legou.
Foi com seu suor, seu trabalho
Que com dignidade me criou.


Escrito em um caderno tosco,
Folhas amareladas, capa rasgada,
Os segredos do oficio
Que meu avo lhe deixou.

E eu, como um filho ingrato,
Não lhe fiz por merecer.
Desprezei seus conselhos sábios,
Desmereci sua voz frágil,
Não lhe dei a minha mão.


Em minha raiva injusta
Pensava que meu pai me negava
Uma vida de folguedos,
Status e diversão.

Amigos..., tive muitos,
Enquanto gastava sem medidas
Aquilo que meu pai conseguia
Em sua humilde profissão..


Mas o tempo foi passando.
E aos tropeços da vida
Passando de bar em bar,
Caindo em cada esquina,
Na sarjeta e na solidão.
Finalmente com a alma sofrida,
Sem saída e sem saúde,
Peguei aquele caderno rude
E pus-me a trabalhar.

De noite exausto na cama
Ouvia ao sono angustiado
Uma voz calma, suave
Que vinha para me consolar.

“Não desanimes meu filho.
Com este caderno tosco
Alem da minha profissão de oficio,
Eu te deixei também a coragem de um leão.


Como um cavaleiro andante
Em sua jornada sem fim,
Traz contigo a armadura da justiça,
A lança da dignidade e o escudo
Do trabalho honesto.


Gravado em teu peito
Tens a medalha do mérito,
Do conhecimento de oficio.
Tenha contigo a certeza
Que ao se despedir desta vida
A única coisa que levamos
É o nada que com ela chegamos.


Deixaras talvez saudades
E quem sabe a memória
Do teu labor produtivo.”


Em minha revolta contida,
Se esvaindo pouco a pouco,
Naquele quarto escuro
Demorei-me a reagir.
Ao afagar seus cabelos brancos
Meu pai em doce acalanto
Já dormia sereno, o ultimo sono.


Tendo perdido a chance
Do derradeiro reconhecimento,
Com voz embargada e soluços entrecortados
Eu só consegui dizer a sua figura inerte
“Obrigado meu velho”.


João Drummond



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