"Nosso
destino é traçado pelas perdas ao longo da vida. A morte de outras pessoas, a
decepção do mundo, o abandono de tudo aquilo que acreditamos e a nossa própria
morte. Esse é o tema proposto por Mike Sullivan em seu romance de estréia.
“Retorno ao pó” conta a história de vidas marcadas profundamente pela morte".
Mike Sullivan
UM
SER SOLITÁRIO...
Desde
muito cedo percebi que era um ser diferente. Eu almejava outras coisas,
desejava o conhecimento. Mesmo assim me esforçava para fazer parte de algum
grupo, para ser comum... Com o tempo, eu achava que as coisas mudariam. Na
adolescência pouca coisa se alterou. Eu me tornei ainda mais diferente. Aos 13
anos escrevi meu primeiro romance num caderno pequeno. Eu me isolava para poder
escrever e ver televisão. Não nego que participava de brincadeiras na rua, ia
às festas de aniversário dos meus vizinhos. Mas confesso que me sentia um ser
estranho em meio a tanta normalidade à volta. Uma normalidade que com a chegada
da vida adulta acabou por se tornar enfadonha e tediosa.
Hoje,
com 32 anos, eu aprendi que sou de fato um ser diferente. Desisti de acreditar
no ser humano, na felicidade e num mundo injusto e que caminha rumo ao fim.
Alguns me chamam de pessimista e de fato talvez eu seja. A verdade é que eu
vejo o mundo através de uma outra ótica. Como posso me deixar envolver por um
mundo de tragédias, doenças e miséria. Não tenho sonhos materiais, não sou um
consumidor ferrenho como a maioria dos brasileiros, detesto aglomerações,
convenções sociais, sorrisos forçados, falsos elogios e pessoas sem nada a
acrescentar à minha existência. Tenho sim, confesso, planos para a contemplação
e a elevação do espírito, tornar-me um ser imortal através das obras que
escrevo, sentir-me útil na medida em que produzo algo. E essas aspirações são
de fato a fonte de todos os meus sofrimentos e angústias hoje. Tenho de suportar
um trabalho difícil que não contribui em nada para o crescimento do meu
espírito. Sinto que poderia muito mais se pudesse me dedicar plenamente aos
verdadeiros anseios de minha alma, dotada de um desejo infindável pela
transcendência através do conhecimento, da arte e da religião. O que faço no
meu trabalho qualquer um seria capaz de fazer, mas o dom que me foi dado é para
poucos. Começo a sentir que uma vida assim talvez nem valha a pena continuar
sendo vivida.
Espero
confiante que Deus ao menos possa me perdoar e entender meus pensamentos que,
para alguns, podem ser interpretados como ingratidão e amargura. Asseguro a
todos que não se trata nem de uma coisa nem outra. Aguardo esperançoso o dia em
que receberei de Seus braços um abraço reconfortante e uma compreensão que
hoje, talvez por minha fé limitada e resultado do acúmulo de decepções, eu não
consigo entender.
Ultimamente
tenho lido as obras de Arthur Schopenhauer e tenho me identificado muito com
seus pensamentos.
Faço
deles as minhas palavras:
“Num
mundo tão irrestritamente comum, todo aquele que for extraordinário irá
necessariamente se isolar, e de fato se isola”.
“Acostumei-me
a suportar demasiado os homens porque cedo compreendi que teria de fazê-lo,
caso de algum modo quisesse lidar com eles. Todavia esta máxima nasceu de um
jovem carente de relações. Experiência e maturidade tornam tais relações
dispensáveis...”
“O
que um homem de minha espécie pensa e sente não tem semelhança alguma com o que
as pessoas ordinárias pensam e sentem”.
“Tão
logo comecei a pensar, entrei em discórdia com o mundo. O mundo tornou-se para
mim vazio e ermo! Nada encontro no mundo senão homens miseráveis, sofríveis, de
cabeça limitada, coração ruim, sentimentos vis...”
Ao
escrever essas linhas que mais se assemelham a um desabafo nem sei ao certo
para quem escrevo. Talvez seja para mim mesmo tendo a débil esperança de fazer
assim aquietar meu pobre espírito.
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