19 de out. de 2012

Retorno ao Pó


"Nosso destino é traçado pelas perdas ao longo da vida. A morte de outras pessoas, a decepção do mundo, o abandono de tudo aquilo que acreditamos e a nossa própria morte. Esse é o tema proposto por Mike Sullivan em seu romance de estréia. “Retorno ao pó” conta a história de vidas marcadas profundamente pela morte".

Mike Sullivan

UM SER SOLITÁRIO...

Desde muito cedo percebi que era um ser diferente. Eu almejava outras coisas, desejava o conhecimento. Mesmo assim me esforçava para fazer parte de algum grupo, para ser comum... Com o tempo, eu achava que as coisas mudariam. Na adolescência pouca coisa se alterou. Eu me tornei ainda mais diferente. Aos 13 anos escrevi meu primeiro romance num caderno pequeno. Eu me isolava para poder escrever e ver televisão. Não nego que participava de brincadeiras na rua, ia às festas de aniversário dos meus vizinhos. Mas confesso que me sentia um ser estranho em meio a tanta normalidade à volta. Uma normalidade que com a chegada da vida adulta acabou por se tornar enfadonha e tediosa.

Hoje, com 32 anos, eu aprendi que sou de fato um ser diferente. Desisti de acreditar no ser humano, na felicidade e num mundo injusto e que caminha rumo ao fim. Alguns me chamam de pessimista e de fato talvez eu seja. A verdade é que eu vejo o mundo através de uma outra ótica. Como posso me deixar envolver por um mundo de tragédias, doenças e miséria. Não tenho sonhos materiais, não sou um consumidor ferrenho como a maioria dos brasileiros, detesto aglomerações, convenções sociais, sorrisos forçados, falsos elogios e pessoas sem nada a acrescentar à minha existência. Tenho sim, confesso, planos para a contemplação e a elevação do espírito, tornar-me um ser imortal através das obras que escrevo, sentir-me útil na medida em que produzo algo. E essas aspirações são de fato a fonte de todos os meus sofrimentos e angústias hoje. Tenho de suportar um trabalho difícil que não contribui em nada para o crescimento do meu espírito. Sinto que poderia muito mais se pudesse me dedicar plenamente aos verdadeiros anseios de minha alma, dotada de um desejo infindável pela transcendência através do conhecimento, da arte e da religião. O que faço no meu trabalho qualquer um seria capaz de fazer, mas o dom que me foi dado é para poucos. Começo a sentir que uma vida assim talvez nem valha a pena continuar sendo vivida.

Espero confiante que Deus ao menos possa me perdoar e entender meus pensamentos que, para alguns, podem ser interpretados como ingratidão e amargura. Asseguro a todos que não se trata nem de uma coisa nem outra. Aguardo esperançoso o dia em que receberei de Seus braços um abraço reconfortante e uma compreensão que hoje, talvez por minha fé limitada e resultado do acúmulo de decepções, eu não consigo entender.

Ultimamente tenho lido as obras de Arthur Schopenhauer e tenho me identificado muito com seus pensamentos.

Faço deles as minhas palavras:
“Num mundo tão irrestritamente comum, todo aquele que for extraordinário irá necessariamente se isolar, e de fato se isola”.

“Acostumei-me a suportar demasiado os homens porque cedo compreendi que teria de fazê-lo, caso de algum modo quisesse lidar com eles. Todavia esta máxima nasceu de um jovem carente de relações. Experiência e maturidade tornam tais relações dispensáveis...”

“O que um homem de minha espécie pensa e sente não tem semelhança alguma com o que as pessoas ordinárias pensam e sentem”.

“Tão logo comecei a pensar, entrei em discórdia com o mundo. O mundo tornou-se para mim vazio e ermo! Nada encontro no mundo senão homens miseráveis, sofríveis, de cabeça limitada, coração ruim, sentimentos vis...”

Ao escrever essas linhas que mais se assemelham a um desabafo nem sei ao certo para quem escrevo. Talvez seja para mim mesmo tendo a débil esperança de fazer assim aquietar meu pobre espírito.









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