Nesta matéria escrita por Nhô Quim Drummond em 1959, na coluna Piquete do Jornal Mensagem, uma descrição da primeira peça de Teatro apresentada em Sete Lagoas.
Piquetes 07/01/1959
Joaquim Drummond
No último decênio do século passado a cidade se alvoroçara na expectativa de inédito acontecimento!
Precedida de retumbante cartaz, pelos sucessos alcançados no histórico teatro de Sabará, considerado naquela época como uma das mais arrojadas obras arquitetônicas do Estado, aqui chegaria a grande Companhia Dramática de Augusto Fernal.
Na falta de um teatro apropriado para suas representações, os nossos empresários voltaram suas vistas para antigo rancho do sobrado da Praça Tiradentes, único recurso de que poderiam dispor para acolher artistas famosos.
Adaptá-lo para o desempenho de tão alta função foi obra de um instante. O velho rancho se viu, de uma hora para outra, guindado às honras de Teatro Municipal.
Afinal quem vinha nos visitar era uma grande companhia e para tão ilustres hospedes todos os sacrifícios seriam poucos.
Improvisado espaçoso palco que tomava toda a largura do rancho, foi armado imponente cenário que deslumbrava pela magnificência de sua decoração. Na platéia, cadeiras de todos os tipos, obtidas por empréstimos, dos moradores da terra, alinhavam-se com enormes bancos toscos que ainda constituíam o único mobiliário de muita gente boa.
Tais pormenores pouco importariam, uma vez que a casa lotada faria desaparecer, em parte, o grotesco dessa improvisada instalação. O luxo com que os espectadores se dispunham a comparecer supriria, certamente, alguns senões que pudessem ser observados, por olhares menos discretos. As roupas eram fartas e a predominância do elemento feminino far-se-ia notar.
As modistas se afogavam num dilúvio de fazendas finas, no afã de preparar as toaletes mais em moda, naquela época. Um imperativo dominava todas as suas clientes: - a mulher sete-lagoana teria que se apresentar a altura das ilustres damas de Sabará, em tão notável acontecimento.
Os clássicos espartilhos sairiam de suas caixas para adelgaçar muitas cinturas e aprumar outros tantos bustos, já em decadência. Os corpetes recamados de vidrilho, justa-postos com gosto e arte, completariam a indumentária feminina, destacada aqui e acolá pela arrogância das mangas de tufos.
Quanto aos sapatos poucas se preocupavam, porque então tal complemento do vestuário, não gozava das prerrogativas de serem vistos com facilidade.
Os homens, por sua vez, não queriam ficar para trás. Velhas sobrecasacas e fraques debruados foram retirados da morgue de naftalinas e expostos a um banho de sol reparador.
As camisas brancas, de peito duro, brilhavam ao sol, em meio a uma infinidade de punhos e colarinhos engomados a rigor.
Lindas gravatas plaston se destacavam, sob bem talhados coletes filetados com transparentes brancos de seda. Enfim, eles não se apresentariam em dissonância com suas enfatuadas cara-metades.
As jovens, nem se fala, foi um corre-corre para as lojas de modas, em busca de um leque mais flexível ou de um perfume mais inebriante, Não dispunham de batom nem rouge, mas usavam e abusavam do pó de arroz.
Chegou afinal a noite do maior espetáculo da terra! Cavalheiros circunspectos, de braços dados com respeitáveis matronas, transpunham os portões do rancho, empertigados, solenes, como se estivessem galgando as escadarias do Municipal no Rio.
Os jovens trocavam olhares e sorrisos discretos, procurando na platéia pontos mais estratégicos para continuarem com a sinfonia do amor platônico. O que não podiam expressar num tête-à-tête, diziam, pelo código dos leques, transmitindo mensagens de esperanças...
Toda a platéia vivia o seu grande momento. No ar um perfume suave de flores, ornamentando lindas cabecinhas de cabelos fartos, ou um colo palpitante de emoções.
Pequena orquestra, recrutada as pressas, entre velhos cultores da boa musica, tenta a execução de uma sinfonia vibrante.
Abre-se o pano de boca. Os olhares convergem para o palco. Sobre uma platéia, em suspense, desenrolam-se lances de “O Fantasma Branco”...
Aplausos vibrantes e prolongados obrigam os artistas a vir a ribalta e muitas flores caem sobre eles, como o final de uma apoteose.
Augusto Fernal plantara naquela noite memorável a primeira semente do teatro em nossa terra.
Olá João Drummond.
ResponderExcluirTenho pesquisado sobre as andanças da Companhia Fernal pelo centro-oeste mineiro e me agradou muito sua postagem. Citarei este registro em minha pesquisa.
Aproveito para parabenizá-lo pelo blog e convidá-lo a visitar o blog que mantenho, onde trabalhamos o resgate da memória do município mineiro de Pitangui.http://daquidepitangui.blogspot.com.br/2009/09/o-clube-dramatico-de-pitangui.html
Abraço.